Intoxicação por cafeína
Introdução
Agentes
As metilxantinas são compostos tóxicos alcalóides naturais encontradas em diversas plantas por todo o mundo e são encontradas em alimentos como balas, doces, chãs, cafés e cacau.
As principais metilxantinas são a aminofilina, teofilina, teobromina e a cafeína.
Apresentação
Cafeína:
A cafeína é encontrada em mais de 60 tipos diferentes de espécies de plantas, no café (que é proveniente da fruta Coffea arabica), no chá (que é proveniente das folhas da Thea sinensis), em diversas outras bebidas, em medicamentos (para aumentar estado de alerta mental) e em comprimidos dietéticos.
Os comprimidos dietéticos normalmente apresentam outros estimulantes como a efedrina, que é uma substãncia simpatomimética, e o guaraná, por exemplo.
Guaraná:
O guaraná (Paullinia cupana) apresenta de 3 a 5% de cafeína enquanto o grão de café apresenta 1 a 2% de cafeína.
Quantidade de cafeína (mg/oz)
Chá:
Dependendo do chá, a quantidade de cafeína presente é de 20 a 90 mg/5-oz.
Produtos que contém chocolate:
Dependendo do chocolate, a quantidade de cafeína presente é de 2 a 40 mg/oz
Grão de café:
O grão de café apresenta de 280 a 570 mg/oz.
Café instantâneo:
O café instantâneo apresenta de 30 a 90 mg/5-oz.
Café descafeinado:
O café descafeinado apresenta de 2 a 4 mg/5-oz.
Bebidas de cola:
As bebidas de cola apresentam de 40 a 60 mg/8-oz.
Farmacocinética e mecanismos da intoxicação
Farmacocinética
Mecanismos da intoxicação
Sintomatologia clínica
Introdução
Sintomas
Diagnóstico
Anamnese
Importante perguntar ao responsável se há possibilidade de ingestão acidental de cafeína.
Exame físico
Exame de sangue
Urinálise (urina 1)
Mioglobinúria
O paciente intoxicado por cafeína pode apresentar mioglobinúria.
Exames de imagem
Eletrocardiograma
Importante realizarmos o eletrocardiograma para avaliar se o paciente pode ter desenvolvido contração ventricular prematura (VPC).
Diagnósticos diferenciais
Alterações eletrolíticas
Hipocalcemia.
Hipomagnesemia.
Ingestão de medicamentos estimulantes cardíacos
Digitálico.
Albuterol.
Teofilina.
Amonifilina.
Intoxicação por alcalóides convulsivantes ou excitatórios
Intoxicação por teobromina (chocolate).
Intoxicação por estricnina.
Intoxicação por anfetamina.
Intoxicação por nicotina.
Intoxicação por cocaína.
Intoxicação por antidepressivo tricíclico.
Intoxicação por pesticidas convulsivantes
Pesticida a base de hidrocarboneto clorado.
Pesticida organofosforado.
Pesticida a base de carbamato anticolinesterásico.
Intoxicação por drogas psicogênicas
Intoxicação por dietilamida do ácido lisérgico (LSD).
Síndrome seratoninérgica.
Medicamentos anti-histamínicos.
Tratamento
Tratamento inicial
Objetivos
Manter suporte básico de vida:
Como não existe antídoto específico para a intoxicação de cafeína, teobromina e das demais metilxantinas, importante realizarmos o suporte básico de vida.
Na maioria dos casos, é necessário manter o paciente internado até estabilização dos sintomas, que pode durar no mínimo 72 horas.
Diminuir a absorção de teobromina e cafeína.
Aumentar excreção da teobromina e cafeína e seus substrados formados pela metabolização no fígado.
Diminuir ou eliminar sintomas clínicos relacionados à alterações em sistema nervoso, alterações cardiovasculares e alterações respiratórias.
Fluidoterapia
Utilização:
O intúito da fluidoterapia é de manter a adequada hidratação, manter a pressão arterial sistêmica, corrigir as alterações eletrolíticas, manter o débito urinário e aumentar a excreção urinária de cafeína e teobromina.
Adsorventes
Quando realizar?:
Realizamos os adsorventes quando os animais ingeriram cafeína em tempo inferior a 2 horas.
Utilização:
O intúito dos adsorventes é de prevenir mais a absorção de cafeína e de teobromina e para aumentar a excreção de cafeína e teobromina.
O carvão ativado, que é um adsorvente, pode se ligar a quaisquer metilxantina remanescentes que está presente no trato gastrointestinal.
Efeitos colaterais:
Desidratação.
Hipernatremia:
A utilização dos adsorventes como o carvação ativado, por exemplo, pode ocasionar em hipernatremia, que é o aumento na concentração sérica de sódio.
Medicação:
Carvão ativado:
- Dose:
- Frequência: a utilização de carvão ativado deve ser realizada a cada 3 a 8 horas por 72 horas, principalmente em animais que ingeriram grande quantidade de cafeína ou de teobromina que apresentam sintomas clínicos. Como há a reabsorção enterohepática da teobromina e de cafeína, é recomendada a utilização repetida de carvão ativado. Entretanto, a multidose de carvão ativado não é necessária em todos os pacientes.
- Cães: em cães, a dose de carvão ativado utilizada é de 0,5 a 2,0 grama/kg, pela via oral, a cada 3 a 8 horas.
- Gatos: em gatos, a dose do carvão ativado utilizada é de 0,5 a 1,0 grama/kg, pela via oral, a cada 8 horas.
Induzir o vômito
Quando realizar?:
Podemos induzir o vômito nos animais que ingeriram a cafeína em tempo inferior a 1 hora e que estão assintomáticos para retirar o material que está no estômago.
Quando não realizar?:
Não podemos induzir o vômito no paciente que está com excitação acentuada, que está em coma ou que não apresenta reflexo de vômito, sendo que nesses casos nós precisamos sedar o paciente para realizar uma lavagem gástrica e remover o conteúdo gástrico.
Medicamentos:
Apomorfina:
- Cautela na utilização: a apomorfina deve ser utilizada com cautela em animais com alterações cardiológicas, com históricos de convulsões ou que passaram por procedimento cirúrgico abdominal recentemente.
- Dose: a dose de apomorfina utilizada é de 0,02 a 0,04 mg/kg, pela via intramuscular ou intravenosa.
Morfina?:
Além de potencializar o efeito da naloxona, que é o antagonista da morfina, as metilxantinas antagonizam o efeito inibidor da morfina sobre a acetilcolina e outros neurotransmissores.
Lavagem gástrica
Quando realizar?:
Realizamos a lavagem gástrica em animais com excitação acentuada, que está em coma ou que não apresenta reflexo de vômito. Entretanto, somente realizamos a lavagem gástrica quando o paciente estiver estável.
A lavagem gástrica é capaz de quebrar a massa firme de chocolate formada no estômago e consegue retirar completamente o chocolate do estômago do paciente.
Sedação:
Acepromazina:
A dose de acepromazina utilizada é de 0,02 a 0,04 mg/kg, pela via intravenosa, intramuscular ou subcutânea.
Butorfanol:
A dose de butorfanol utilizada é de 0,1 a 0,5 mg/kg, pela via intravenosa, intramuscular ou subcutânea
Sonda endotraqueal:
A utilização de sonda endotraqueal diminui a possibilidade de ocorrer aspiração do conteúdo gástrico durante a lavagem gástrica.
Lavagem gástrica.
Sondagem uretral
Com a sondagem uretral, há a diminuição da reabsorção de cafeína e teobromina e dos alcalóides formados pela metabolização hepática pela vesícula urinária.
Corticosteroide e eritromicina?
Não é recomendado utilizar os corticosteroides e a eritromicina, pois esses medicamentos interferem na excreção das metilxantinas.
Tratamento sintomático
Introdução
O tratamento suporte é realizado através dos sintomas, ou seja, o tratamento é sintomático.
Controlar hipertermia
Tratamento das alterações pulmonares
Oxigênioterapia:
A oxigênioterapia é realizada nos casos edema pulmonar nos animais que estão com taquipneia ou dispneia.
Furosemida:
Introdução:
A furosemida é o principal medicamento utilizado no tratamento do edema pulmonar.
Utilização:
Somente utilizar a furosemida quando o paciente estiver recebendo fluidoterapia para aumentar a excreção dos metabólitos tóxicos.
Dose:
A dose de furosemida utilizada para o tratamento do edema pulmonar é de 1 a 4 mg/kg, em bolus, intravenoso.
Ventilação:
A ventilação é utilizada em pacientes com angústia respiratória importante ou em estado comatoso com depressão respiratória severa.
Em algumas situações, a ventilação mecânica está indicada nos casos de intoxicação por cafeína.
Tratamento das alterações gastrointestinais
Quando utilizar?:
Realizamos o tratamento das alterações gastrointestinais quando o paciente apresentar quadro emético ou diarreico.
Protetores gástricos:
Inibidores da bomba de prótons.
Inibidores de receptor H2:
Cimtidina?:
Não é recomendado utilizar a cimetida nas intoxicações por metilxantinas, pois a cimetidina diminui a eliminação das metilxantinas.
Anti-eméticos:
Administração parenteral:
Recomenda-se realizar a administração parenteral dos anti-eméticos, ou seja, administrar os anti-eméticos de forma injetável.
O adsorvente utilizado pode reduzir o efeito do anti-emético administrado pela via oral.
Medicamentos:
Ondansetrona.
Maropitant.
Metoclopramida.
Tratamento das alterações cardiovasculares
Quando utilizar?:
Realizamos o tratamento das alterações cardiovasculares quando houver contração ventricular prematura, taquicardia ou bradicardia.
Medicamentos:
Lidocaína:
A lidocaína é utilizada para reverter quadros de contração ventricular prematura.
Betabloqueador:
- Utilização: utilizamos os betabloqueadores em casos de:
- Taquiarritmias supraventriculares ou com hipertensão arterial sistêmica que estão adequadamente hidratados.
- Gatos.
- Medicamentos:
- Propranolol.
- Metoprolol.
- Efeitos colaterais:
- Diminuição da excreção de teobromina: o propranolol pode diminuir a excreção das metilxantinas pela urina. Entretanto, o metoprolol não diminui a excreção de teobromina e de cafeína pela urina.
- Hipotensão arterial sistêmica: os betabloqueadores podem ocasionar em hipotensão arterial sistêmica.
Atropina:
- Utilização: a atropina é utilizada nos casos de bradicardia ocasionada pela intoxicação por teobromina.
- Dose: a dose de atropina utilizada é de 0,02 a 0,04 mg/kg, pela via subcutânea, intramuscular ou intravenosa.
Tratamento das alterações do sistema nervoso
Quando utilizar?:
O tratamento das alterações do sistema nervoso é realizado quando houver ansiedade, tremores, hiperatividade ou convulsões tônico-clônicas.
Evitar estresse e excitação:
O estresse e a excitação podem causar hiperreflexia e convulsão.
Medicamentos:
Diazepam:
- Contraindicação: o diazepam está contraindicado quando houver intoxicação de pseudoefedrina, pois a pseudoefedrina potencializa os efeitos dissociativos do diazepam. A efedrina pode ser encontrada associada à produtos contendo cafeína.
A cafeína diminui o efeito sedativo do diazepam, pois a cafeína antagoniza os receptores de benzodiazepínicos no cérebro.
- Dose: a dose de diazepam utilizada é de 0,5 a 1,0 mg/kg, realizada lentamente em bolus pela via intravenosa. A dose pode ser repetida até 3 vezes com intervalo de 5 a 10 minutos entre as aplicações caso for necessário.
Fenobarbital:
- Utilização: como a cafeína e a teobromina bloqueia os receptores de benzodiazepínicos no cérebro, a utilização de fenobarbital pode ser necessária para reverter as alterações do sistema nervoso.
- Dose: a dose de fenobarbital utilizada para controlar as convulsões é de 3 a 4 mg/kg, pela via intravenosa.
Monitoramento
Monitorar temperatura retal
Monitorar hidratação e alterações eletrolíticas
Monitoramento de sódio sérico:
Importante realizar o monitoramento do sódio sérico durante o tratamento das intoxicações das metilxantinas com o carvão ativado, principalmente quando realizamos múltiplas administrações de carvão ativado.
Eletrocardiograma
O paciente intoxicado por cafeína deve ser monitorado com o eletrocardiograma devido à possibilidade do paciente desenvolver contração ventricular prematura.
Compartilhe com sua família e amigos!
Referências bibliográficas
- AGUDELO, C. F. FILIPEJOVA, Z. SCHANILEC, P. Chocolate ingestion-induced non-cardiogenic pulmonary oedema in a puppy: a case report. Veterinarni Medicina, v. 58, n. 2, p. 109-112, 2013
- BATES, N. Poisons affecting the cardiovascular system. Companion animal, v. 25, n. 8, p. 215-223, 2020
- BOUGH, M. Food-associated intoxications. In: POPPENGA, R. H.; GWALTNEY-BRANT, S. Small Animal Toxicology Essentials, John Wiley & Sons Inc., 1st ed., Oxford, 2011, p. 207-219
- CARSON, T. L. Methylxanthines. In: PETERSON, M. E.; TALCOTT, P. A. Small Animal Toxicology, 2nd ed., Elsevier Inc., 2006, p. 845-852
- COCCHETTO, D. M. Plasma Theobromine after Oral Administration of Caffeine to Dogs. Journal of Pharmaceutical Sciences, v. 70, n. 5, p. 579-580, 1981
- CORTINOVIS, C.; CALONI, F. Householdfood items toxic to dogs and cats. Frontiers in Veterinary Science, v. 3, p. 1-7, 2016
- DOLDER, L. K. Methylxanthines: Caffeine, Theobromine, Theophylline. In: PETERSON, M. E.; TALCOTT, P. A. Small Animal Toxicology, 3rd ed., Elsevier Inc., 2012, p. 647-652
- GUGLER, K.; PISCITELLI, C.; DENNIS, J. Hidden dangers in the kitchen: common foods toxic to dogs and cats. Compendium: Continuing Education for Veterinarians, p. 1-6, 2013
- HENSEL, M.; PASHAMAKOVA, M.; PORTER, B. F. Fatal caffeine intoxication in a dog. Brazilian Journal of Veterinary Pathology, v. 10, n. 2, p. 65-68, 2017
- HOVDA, L. et. al. Chocolate and caffeine. In: HOVDA, L. et. al. Blackwell’s Five-Minute Veterinary Consult Clinical Companion Small Animal Toxicology, John Wiley & Sons Inc, 2nd ed., Oxford, 2016. p. 479-484
- KOVALKOVIČOVÁ, N. et. al. Some food toxic for pets. Interdisciplinary toxicology, v. 2, n. 3, p. 169-176, 2009
- MACCALLUM, R.; BATES, N.; EDWARDS. Raspberry ketone ingestion in dogs. Veterinary Record, v. 180, p. 23-24, 2017
- MEANS, C. Dietary supplements and herbs. In: POPPENGA, R. H.; GWALTNEY-BRANT, S. Small Animal Toxicology Essentials, John Wiley & Sons Inc., 1st ed., Oxford, 2011, p. 161-169
- MOREIRA, A. F. L.; PINTO, J. C.; GILLEBERT, T. C. Load dependence of left ventricular contraction and relaxation. Effects of caffeine. Basic Research in Cardiology, v. 94, n. 4, p. 284-293, 1999
- OLORUNSHOLA, K. V.; AWASUM, C. A.; HEDIMA, N. C. Caffeine modulates biliary secretions in indigenous Nigerian dogs. American Journal of Clinical and Experimental Medicine, v. 2, n. 6, p. 132-136, 2014
- PAULINO, C A.; BERNARDI, M. M. Estimulantes do sistema nervoso central e agentes psicotrópicos. In: SPINOSA, H. S.; GÓRNIAK, S. L; BERNARDI, M. M. Farmacologia Aplicada à Medicina Veterinária, Editora Guanabara Koogan LTDA., 4ª edição, Rio de Janeiro, 2006, p. 185-192
- PENCEK, R. R. et. al. Portal Vein Caffeine Infusion Enhances Net Hepatic Glucose Uptake during a Glucose Load in Conscious Dogs. Journal of Nutrition, v. 134, n. 11, p. 3042-3046, 2004
- SMITH, K. R. Cardiovascular System. In: POPPENGA, R. H.; GWALTNEY-BRANT, S. Small Animal Toxicology Essentials, John Wiley & Sons Inc., 1st ed., Oxford, 2011, p. 89-93
- SOTO-RAMÍRIZ, L. et. al. Intoxicación por teobromina en perros: Una revisión. Revista electrónica de Veterinaria, v. 18, n. 3, p. 1-7, 2018
- TAWDE, S. N. et. al. Death by Caffeine: Presumptive Malicious Poisoning of a Dog by Incorporation in Ground Meat. Veterinary Toxicology, v. 8, p. 436-440, 2012
- WEISSOVA, T. Recreational Drug Toxicosis. In: NORSWORTHY, G. D. et. a. The Feline Patient, 4th, Blackwell Publishing LTD., 2011, p. 442-445
- WIENGART, C.; HARTMANN, A.; KOHN, B. Chocolate ingestion in dogs: 156 events (2015-2019). Journal of Small Animal Practice, v. 62, p. 979-983, 2021
- YOUNG, N. W.; ROYAL, K. D.; DAVIDSON, G. S. Baseline knowledge of potential pet toxins: a survey of pharmacists. Pharmacy Practice, v. 15, n. 4, p. 1-6, 2017
Atualizado em: 12/03/2024